domingo, 11 de outubro de 2015

Chiquistas não costumam dar bom exemplo de solidariedade

Deu a louca na Internet. Além da mania da leitura de livros para colorir (?!) que encabeçam a lista dos mais vendidos no país - num mercado que se esperasse ser voltado para textos, não para desenhos - , agora são os internautas nas mídias sociais que passam a discriminar pessoas com senso crítico bastante aguçado.

O boicote às pessoas que "reclamam demais" é um reflexo do trauma provocado pela transformação do ativismo social emergente em junho de 2013 em focos de desordem e vandalismo. Só que, em vez dos vândalos e reacionários fanáticos serem boicotados e discriminados, são as pessoas de bem que, apenas por uma casualidade, passaram a questionar com profundidade e frequência todo tipo de problema cotidiano.

O pior exemplo vem justamente de seguidores de Francisco Cândido Xavier, que em tese se consideram dotados dos mais elevados valores de solidariedade e compaixão. Um jovem nos enviou e-mail reclamando de uma moça que o tem como seguidor no Facebook, não é uma fanática religiosa mas adora as frases de Chico Xavier, e que o desprezou num eventual encontro na rua.

"Estava eu com um amigo, andando pela rua, e essa moça me cumprimentou friamente, e parecia nervosa, como se não suportasse minha presença. Fiquei muito magoado. Ela já me foi gentil e simpática em outras ocasiões".

Depois das "patrulhas" de trolls que defendiam o "estabelecido" no Orkut e no auge do Facebook, modismo que gerou repercussão negativa depois dos ataques racistas a várias negras - entre elas a jornalista Maria Júlia Coutinho, a Maju, da Rede Globo - , agora é o afastamento das pessoas em princípio moralmente melhores, mas ainda presas a preconceitos sociais rigorosos.

As pessoas que questionam muitas coisas passam a ser vítimas de preconceito. São vistas como "chatas" e "insuportáveis". São boicotadas em eventos sociais, discriminadas no mercado de trabalho, tratadas com desdém na Internet. O Brasil passou por retrocessos profundos nos últimos 50 anos e contestar com profundidade e espírito de ação tornou-se algo equivocadamente visto como antissocial.

Claro, a influência de Chico Xavier nas mídias sociais, em que sua figura é endeusada no Facebook e no YouTube, diz muito até para gente que aparentemente nada tem a ver com ele e sua religiosidade. É porque ele é reflexo de um desejo ao mesmo tempo de isolamento das pessoas nas mídias sociais e também uma busca frenética por analgésicos sociais.

Ninguém parece interessado em melhorar o país, e as pessoas correm para refúgios, para válvulas de escape aos problemas diversos, e se não anulam em todo o ato de questionar as coisas, estabelecem limites muito rígidos.

Daí o refúgio para ver coisas engraçadas nos vídeos publicados no WhatsApp, "ler" livros para colorir, postar fotos em boates e bares, exaltar cerveja e times de futebol - cariocas, de preferência, já que o fanatismo pelo futebol, no Rio de Janeiro, é praticamente uma obrigação social: o carioca quando quer conhecer alguém pergunta seu time antes de perguntar seu nome - , e, eventualmente, a mais derramada devoção religiosa.

A busca por soluções diabéticas de anestesia social faz com que a "boa sociedade" corra para as cavernas digitais das mídias sociais, e se prender nas ilusões e fantasias diversas. Até quem é mais culto prefere viver seu saudosismo, aceitar que a MPB e o rock vão desaparecer diante da avassaladora imbecilização de falsos emepebistas e roqueiros no "céu aberto" da visibilidade.

Pessoas agora felizes porque apreciam a boa cultura nos espaços cada vez mais raros e escassos, conformados em falar consigo mesmos e expressando envergonhado mas decisivo consentimento de ver sua cultura empastelada por emissoras de FM e TV aberta que trabalham rebeldes, populares e intelectuais como verdadeiros idiotas.

E os chiquistas, eles são felizes por não precisarem de amigos, nem de familiares. Só querem saber de Chico Xavier, cultuado pela turma numerosa mas, mesmo assim, fechada, de fanáticos seguidores. Eles até têm o playground midiático aos seus pés, como também têm os arautos da mediocridade cultural ou mesmo os caricatos roqueiros amestrados pela Rádio Cidade e a paulista (e malufista) 89 FM. Afinal, quem quer o "estabelecido" tem o céu abrindo à sua frente.

Já quem quer cultura de verdade, se contenta com rádios digitais que poucos ouvem, apesar das promessas de "dominar o mundo". Mas as FMs caricatas, mesmo as que repousam sob o rótulo de "rádios rock", também têm canais na Internet e, mesmo canastronas, roubam a cena, por causa de um lobby poderoso do mercado associado. 

Todos ficam felizes nos seus espaços fechados. Fala-se até em maçonificação da cultura de qualidade, transformada num clube fechado de poucos privilegiados que só falam entre si e mal conseguem aparecer na sociedade. 

Se alegram quando um músico de MPB toca num programa de fim de noite numa TV comunitária, em que mesmo apenas um quinto da "maçonaria" é informado de sua ocorrência. Ficam de braços cruzados, com a dupla satisfação que a MPB, na grande mídia, "vive" na sua fossilizada forma de tributos e homenagens, sem produzir coisa nova e de impacto diante da selva de ídolos bregas e cada vez mais comerciais.

Questionar tudo isso é visto como antissocial, porque questionar o jeitinho brasileiro que transforma injustiçados em resignados cria uma série de tensões que ninguém quer assumir. O jeito é colocar os problemas debaixo do tapete e se refugiar em adegas para beber "aquele licor" de gosto doce e amargo ao mesmo tempo e jogar conversas engraçadas fora.

Ser amigo virou um processo de pessoas competirem com piadas. Rodas de amigo mais parecem concursos de stand up comedy, frequentemente com a diferença que os comediantes informais ficam sentados. Não é um senso de humor espontâneo, porque as pessoas não parecem inclinadas a transmitir afeições, mas trocar com os outros não ideias, mas piadas hilariantes.

Os chiquistas é que simulam algo mais "fraternal" e "amigo", quando se ligam à devoção religiosa. Eles até que não são muito afeitos a piadas, da qual sentem apreço moderado, até pelo fato de que, por exemplo, concebem uma vida espiritual na forma do sisudíssimo bosque com prédios imponentes que atribuem à suposta colônia Nosso Lar.

Mas o que une chiquistas e "laicos" é o desprezo à verdadeira solidariedade, a criminalização da contestação crítica dos retrocessos cotidianos, algo aberrante se percebemos que existe maior aceitação social para pessoas que chamam Lula e Dilma de "gângsteres nazistas". Muitos sentem medo de ver antigos feminicidas morrerem de repente, mas aceitam que outros perguntem "por que não mataram todos (os esquerdistas) em 1964?".

Essas ocorrências só mostram o quanto é deficitária a noção de solidariedade, fraternidade e respeito humano. As pessoas não repudiam tanto os Revoltados On Line e, entre um Kim Kataguiri e um anônimo que questiona as arbitrariedades do establishment midiático e mercadológico, eles ficam com o primeiro, que lhes parece "menos chato".

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