segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Por que não há motivo para o "espiritismo" sofrer intolerância religiosa?

IMPRENSA SENSACIONALISTA COSTUMA CONFUNDIR UMBANDA COM "ESPIRITISMO" (NOTEM A EXPRESSÃO "MÃE DE SANTO"). A CONFUSÃO, QUE ANTES IRRITAVA OS "ESPÍRITAS", HOJE É SUA "TÁBUA DE SALVAÇÃO".

O "espiritismo" brasileiro, em crise, adotou uma estratégia insólita. Depois de décadas tentando se livrar das confusões com o umbandismo, a doutrina que deturpou o legado de Allan Kardec em prol de um sub-catolicismo de moldes medievais agora mudou de ideia e passou a gostar da confusão com as religiões afro-brasileiras devido às circunstâncias infelizes por estas sofridas.

Hoje a imprensa sensacionalista, considerada de baixíssima qualidade e que normalmente subestima a inteligência de seu público (que, apesar de sua baixa escolaridade, não é burro e deveria ser tratado com mais respeito pela mídia "popular"), anda creditando como "centros espíritas" os terreiros de umbanda e candomblé que estão sendo vítimas de ataques de intolerância religiosa, sobretudo de parte de seitas neopentecostais, que não aceitam conviver junto a essas expressões religiosas.

O que se vê, depois da retomada ultraconservadora no Brasil, após a queda da presidenta Dilma Rousseff, é a liberação dos mais profundos e perversos preconceitos sociais. A catarse de uma parcela da sociedade brasileira permite práticas que vão desde o cyberbullying até o fanatismo religioso, aumentando casos de pistolagem e feminicídios e mostrando a sordidez moral que está por trás até mesmo de pessoas consideradas "de bem" e "melhor instruídas".

Hoje vemos empresas consideradas de grande importância para o público consumidor, associadas a fatos infelizes como propagandas que aludem a ideias machistas e racistas ou a práticas escravistas no mercado de trabalho. Marcas como Dove, McDonalds, Riachuelo, Volkswagen, O Boticário, Marisa e outras se envolveram em episódios infelizes de propagandas socialmente preconceituosas e acusações de promover trabalho análogo à escravidão (a chamada "escravidão moderna").

O que vemos é a chamada luta de classes e o escancaramento das neuroses e outros defeitos da chamada sociedade privilegiada. O "alto da pirâmide" está mostrando a sua podridão e os defeitos que se acumularam sobretudo desde o auge da ditadura militar, o ano de 1974, que criou um "padrão ideal" de comportamento e valores sociais que nos últimos anos se encontram em declínio.

As neuroses chegam a atingir níveis surreais, criando medos inimagináveis em setores "importantes" da sociedade. Com tantas personalidades valiosas morrendo prematuramente, há um medo tão grande de ver feminicidas impunes idosos morrendo que, se eles realmente morrem, a imprensa não noticia, mesmo se seus crimes tivessem "parado o país". Mas não se pode dizer sequer que eles estão muito doentes, mesmo tendo eles contribuído para isso no decorrer da vida.

Mas a sociedade tem até medo de que sistemas de transporte por ônibus cancelem a chamada pintura padronizada - no qual diferentes empresas de ônibus exibem o mesmo visual, enfatizando o logotipo da prefeitura ou do governo estadual - , o que faria com que a liberação da respectiva identidade visual de cada empresa (que facilitaria o cidadão na hora de ir e vir e até para identificar a empresa que presta mau serviço) mandasse certas pessoas para o psicanalista.

São neuroses descomunais, que fazem com que, nas redes sociais, haja ataques racistas em série, em cyberbullying organizado por grupos de internautas, capazes de humilhar negros que difundem mensagens positivas nos seus perfis pessoais. E isso quando o racismo é considerado crime, mas o internauta ignora riscos ao assumir sua truculência virtual, ainda que seja o de ver seu computador ou celular apreendido pela polícia para investigação criminal.

Dito isso, observa-se que o "espiritismo" brasileiro anda "muito feliz" com os últimos tempos. Sua narrativa é conservadora, achando "positiva" a queda de Dilma Rousseff e do PT pela "falta de amor (sic) ao próximo", definindo como "regeneração" as passeatas dos "coxinhas" que defendiam até a intervenção militar e exibiam símbolos nazi-fascistas e apoiando as "reformas" do governo Michel Temer como meios de "moderar" o "materialismo" dos infortunados.

A narrativa dos "espíritas" destoa da realidade que até a imprensa estrangeira consegue tirar de letra. Segundo os "espíritas", foi iniciado um "período de libertação" que anda pontuado de "muitas dificuldades", mas que deve ser encarado "com fé e esperança" diante da aceitação de uma série de restrições que são feitas para "promover a moderação dos instintos humanos", eufemismo para a aceitação das desigualdades sociais que, aos olhos dos conservadores, soam "equilibradas".

O "espiritismo" brasileiro se comprova cada vez mais conservador e cada vez mais afinado com os tempos atuais. Ele, portanto, não tem motivos para se queixar de intolerância religiosa. Comunga com os neopentecostais em muitas causas, como a reprovação do aborto até em casos de estupro e ameaça à saúde e a defesa de projetos educacionais análogos à Escola Sem Partido.

O que está por trás dos apelos dos "espíritas" pela "liberdade religiosa" - um dos assuntos tratados este mês pelo "Correio Espírita" - e "contra a intolerância" é, na verdade, uma interpretação equivocada das circunstâncias. Mesmo o vandalismo que atingiu o mausoléu de Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier, foi um ato de intolerância comum, mais uma intolerância a uma pessoa famosa do que a uma figura religiosa.

A intolerância religiosa atinge expressões religiosas ligadas a setores mais pobres da sociedade, como a umbanda ou canbomblé, ou a grupos étnicos diferentes dos padrões ocidentais, como o islamismo. O "espiritismo", apesar de sua roupagem "humilde" e "informal", é uma religião aristocrática, e uma das mais toleradas e blindadas do Brasil, no qual nem seus piores erros são alvos de investigação séria e imparcial, como se o "espiritismo" fosse um PSDB da religião.

O próprio Chico Xavier esteve associado às piores usurpações literárias, das quais se observa irregularidades explícitas de estilo e elementos pessoais. Obras "psicográficas" atribuídas a Olavo Bilac, Auta de Souza e Humberto de Campos fogem drasticamente dos estilos pessoais originais e o caso deste último, escritor que em vida resenhou Parnaso de Além-Túmulo, revelou-se, na verdade, uma porção de atitudes arrivistas e oportunistas promovidas pelo suposto médium mineiro.

Só que, em vez de haver uma investigação séria, temos a seletividade da Justiça. Basta uma mensagem fake dizer "somos todos irmãos" e supostamente promover a paz para que ela seja aceita sem críticas. Cria-se apenas um simulacro de investigação judicial, jornalística ou acadêmica, para que tudo seja aceito em nome das "mensagens de amor" e o resto se usa a desculpa do "mistério da espiritualidade".

O "espiritismo" é protegido até demais. Os "espíritas" fazem o que querem com o legado de Allan Kardec, reduzem a Doutrina Espírita a um igrejismo retrógrado mas querem passar a falsa impressão de que "professam fidelidade absoluta e rigorosa aos postulados espíritas originais". São protegidos até da maior rede de televisão do Brasil, a Rede Globo.

A religião "espírita" é de elite. Os "centros espíritas" são comandados por pessoas de classe média alta, os palestrantes "espíritas" costumam fazer exposições para ricos e acumulam medalhas e condecorações, além de aparecer ao lado de aristocratas em eventos reportados nas colunas sociais. Os valores morais defendidos são arcaicos e têm um forte conteúdo conservador.

Esse conteúdo conservador remete, frequentemente, à Teologia do Sofrimento, doutrina derivada do Catolicismo medieval que faz apologia às desigualdades sociais. Ela pede "misericórdia" aos abusos dos privilegiados ou prepotentes, que "não sabem o que fazem e pagarão pelos atos um dia", enquanto apela para sofredores e desgraçados aceitarem e até amarem seus infortúnios, sob o pretexto de "serem salvos um dia".

A Teologia do Sofrimento, que virou a bandeira do "espiritismo" no Brasil, mais do que os postulados de Kardec, vê o sofrimento de Jesus de Nazaré sob o ponto de vista de seus condenadores. Apesar disso, a ideologia, que teve como adeptos fervorosos Chico Xavier e Madre Teresa de Calcutá, é associada à ideia de "humildade" e "libertação" humanas.

Isso tudo faz do "espiritismo" uma religião até mais tolerada que as seitas neopentecostais, pois estas, apesar do poder que exercem sobretudo no Poder Legislativo - no qual compõem um bloco chamado "bancada da Bíblia" - , ainda são denunciadas por escândalos e irregularidades cometidos, além de muitas de suas posturas reacionárias sofrerem repercussão negativa na sociedade, até mesmo dentro dos próprios evangélicos.

No "espiritismo", há históricos de fraudes literárias, juízos de valor perversos, acúmulos de riqueza com o "dinheiro da caridade", casos de falsidade ideológica relacionadas a pessoas mortas, exploração das tragédias familiares e apologias à desgraça humana, e não há um único questionamento oficial que causasse ampla repercussão na sociedade.

Pelo contrário, quando surge algum questionamento trazido pela mídia alternativa, ela é enquadrada, erroneamente e de forma leviana, a atos de intolerância religiosa, permitindo a chamada "carteirada" na qual os "espíritas" usam do prestígio pessoal em seus meios para apelar "liberdade religiosa" como pretexto para fazerem tudo o que quiserem, jogando a coerência, o bom senso, a lógica, a ética e o respeito humano na lata de lixo.

Não há motivo, portanto, dos "espíritas" sofrerem intolerância religiosa. Mesmo o vandalismo contra o mausoléu de Chico Xavier foi um ato de intolerância social comum. Se o mausoléu fosse, por exemplo, de Tancredo Neves, Carlos Lamarca, Emílio Garrastazu Médici e Hebe Camargo, o vandalismo teria sido rigorosamente o mesmo, com todos os detalhes. 

O fato do vandalismo ter atingido um memorial de um ídolo religioso não garante, em si, que seja ato de intolerância religiosa. Ainda mais em se tratando de uma religião como o "espiritismo", protegida pelos setores da sociedade conservadora que retomou o poder.

terça-feira, 3 de outubro de 2017

Se o "espiritismo" tivesse liberdade religiosa, voltaria ao Catolicismo


O "espiritismo" brasileiro diz pregar a liberdade religiosa. Mas o próprio "espiritismo" brasileiro, com suas dissimulações, não aprova a sua própria liberdade, na medida em que suas deturpações são antes motivo de vergonha e disfarce do que de orgulho e demonstração.

Isso se comprova porque o "espiritismo" no Brasil se desenvolveu com bases fundamentadas no livro igrejista Os Quatro Evangelhos, de J. B. Roustaing. A obra, supostamente atribuída aos quatro evangelistas (Marcos, Mateus, Lucas e João), foi um dos primeiros documentos de deturpação do legado de Allan Kardec pelo conteúdo abertamente católico, igrejeiro e cheio de mitos e mistificações.

Jean-Baptiste Roustaing foi um advogado de Bordéus que não gostou do cientificismo de Kardec. Ele investiu num livro, aparentemente trazido através de mensagens espirituais enviadas pela médium madame Emilie Collignon, para trazer o que o advogado definiu como "a revelação da Revelação".

Durante anos o "espiritismo" brasileiro se fundamentou nas ideias de Roustaing, com muito entusiasmo. Mas como é de praxe no Brasil, quando se pega lições de valor duvidoso, é que, quando seu mestre é associado a algum escândalo, ele é simplesmente descartado. E assim foi com Roustaing, tal qual, recentemente, foi com Eduardo Cunha na vida política brasileira.

Até supostas mensagens espirituais atribuídas ao médico Adolfo Bezerra de Menezes, que no seu tempo introduziu Roustaing no "movimento espírita", quando presidiu a FEB, alegaram "arrependimento" pelo roustanguismo. Mas quem imaginava que o "arrependimento" era total, observa-se a citação do verbo "kardequizar", uma corruptela do termo "catequizar" que os jesuítas faziam para converter as tribos indígenas ao Catolicismo medieval.

Essa corruptela diz muito ao roustanguismo disfarçado que hoje representa o "espiritismo" brasileiro. E isso com a legitimação de Emmanuel, ele mesmo tendo sido o antigo catequizador colonial, o padre Manuel da Nóbrega, como suposto "filósofo" do "espiritismo" feito no Brasil.

O que vemos hoje é o próprio "espiritismo" acorrentado e preso em suas contradições. É roustanguista na prática, mas tenta dar a impressão de que é "rigorosamente fiel" ao legado kardeciano, rompe com Kardec na prática, cometendo traições grotescas e preocupantes, mas faz questão de se vincular ideologicamente ao pedagogo de Lyon o qual os "espíritas" traem 24 horas por dia, sete dias por semana e 365 dias por ano.

O "espiritismo" não é livre porque quer ser uma coisa e outra na tentativa tanto de obter vantagens e privilégios como de agradar todo mundo. Hoje os "espíritas" falam em liberdade de fé e reforçam o discurso contra a intolerância religiosa, primeiro pegando carona nos episódios envolvendo terreiros de umbanda, depois se aproveitando do vitimismo em torno do vandalismo contra o mausoléu de Francisco Cândido Xavier, ocorrido no final de setembro passado, em Uberaba.

Mas os "espíritas" não são livres. Eles ficam presos nas suas próprias paixões. São católicos fervorosos, mas não podem assumir isso, porque precisam se promover com a fingida "fidelidade absoluta" ao pensamento de Allan Kardec, algo que sabemos ser uma grande e preocupante mentira.

É só ver, nas atividades "espíritas", o contraste que livros de Chico Xavier, Divaldo Franco e derivados apresentam, em ideias, à obra de Kardec. É coisa gritante. Consultando obras como O Livro dos Médiuns e O Livro dos Espíritos, por exemplo, observa-se a descrição de muitos aspectos negativos da deturpação espírita analisados por Kardec. Esses aspectos correspondem, hoje, ao que Chico, Divaldo e companhia fizeram, de forma explícita e deplorável.

Criticar a deturpação não é praticar intolerância religiosa. O que vemos é que os "espíritas", com medo, mais uma vez, de assumir a responsabilidade de seus maus atos e de suas decisões erradas, e sofrendo uma crise aguda por conta de suas próprias contradições, investem mais uma vez no vitimismo e usam o pretexto da "intolerância religiosa" para salvarem suas peles.

Os "espíritas" chegam a falar, de maneira bastante hipócrita, que as deturpações feitas por Chico e Divaldo foram "acidentais" e feitas "sem querer". Chegam mesmo a dizer que eles "não tiveram tempo" para analisar a Doutrina Espírita e atribuem a eles uma suposta promessa de "aprender melhor a obra de Kardec" e a inventar que essa "promessa" foi cumprida. Só que não.

Os dois foram igrejistas até o fim. Transmitiram ideias roustanguistas durante décadas, com uma grande coleção de livros, para um enorme público no Brasil e no mundo e repercutindo de forma imensa durante muito tempo. Como é que eles podem ter feito um trabalho "sem querer"? Isso é coisa que se faz com muita consciência dos próprios atos, dificilmente alguém faria isso "sem querer".

Mas o "espiritismo" é assim mesmo. Faz juízos de valor, quando o caso é o sofrimento alheio, frequentemente induzindo na culpabilidade das vítimas, sob alegações de "reajustes espirituais" ou "resgates morais". Mas na hora de assumir seus erros, recua, reage com vitimismo e choradeira, arruma mil desculpas, acusa os obsessores espirituais, baixa a cabeça pondo as mãos no rosto, ou apela para coisas do tipo "aceito resignado os desaforos, crente no amparo de Deus".

Isso é uma grande hipocrisia. O "espiritismo" não é livre porque põe suas contradições sob o tapete, se dissimula o tempo todo, portanto não pode ter sequer a consciência tranquila. Reclama de "intolerância religiosa" só para abafar os efeitos de sua grave crise, mas sabemos que isso é uma mentira.

Afinal, quem sofre intolerância religiosa são os movimentos e crenças vividos pelas classes populares ou por grupos étnicos que não correspondem às classes privilegiadas. A umbanda, o candomblé, o islamismo e o judaísmo são as religiões mais vitimadas pela intolerância religiosa.

Já o "espiritismo" é uma religião de elite. Em muitos momentos, está ao lado de setores conservadores da Igreja Católica e das seitas neopentecostais (como a Igreja Universal do Reino de Deus e a Assembleia de Deus). 

O "espiritismo" defendeu o golpe militar de 1964 e a consequente ditadura, participando da Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Chico Xavier defendeu a ditadura quando parte da direita que a apoiou já estava na oposição. As ideias defendidas pelos "espíritas" são de conteúdo moral severo e ultraconservador, justificados pelas "cobranças morais" de supostas encarnações passadas.

As práticas de caridade "espíritas", tidas como "assistência social", não vão além dos limites do Assistencialismo, caridade de poucos efeitos sociais e que enfatiza mais o prestígio social do "benfeitor". O "espiritismo" se diz progressista, mas nunca contribuiu para o progresso do Brasil, e sua "caridade" apenas amenizou a dor da miséria, sem combatê-la de maneira profunda e definitiva.

A verdade é que o "espiritismo", se assumir sua liberdade religiosa, teria voltado ao Catolicismo, porque sua liberdade é adotar ritos, crenças e dogmas católicos, dos mais conservadores, e fazem isso de forma explícita, desavergonhada, porém nunca devidamente assumida. Os "espíritas" deveriam parar de criticar a vaticanização e o roustanguismo, porque os apelos igrejistas fazem seus corações baterem mais forte.

O "espiritismo" brasileiro é apenas espírita na forma, na aparência institucional. Mas seu espírito é católico, sua essência é católica e suas bases doutrinárias igrejistas. O "espiritismo" brasileiro é roustanguista da gema.

A teimosia dos "espíritas" tradicionais

Fica aqui a impressão de que nosso trabalho de coerência doutrinária é em vão. mesmo com alto nível de apostasia, há seguidores de Chico ...