terça-feira, 3 de outubro de 2017

Se o "espiritismo" tivesse liberdade religiosa, voltaria ao Catolicismo


O "espiritismo" brasileiro diz pregar a liberdade religiosa. Mas o próprio "espiritismo" brasileiro, com suas dissimulações, não aprova a sua própria liberdade, na medida em que suas deturpações são antes motivo de vergonha e disfarce do que de orgulho e demonstração.

Isso se comprova porque o "espiritismo" no Brasil se desenvolveu com bases fundamentadas no livro igrejista Os Quatro Evangelhos, de J. B. Roustaing. A obra, supostamente atribuída aos quatro evangelistas (Marcos, Mateus, Lucas e João), foi um dos primeiros documentos de deturpação do legado de Allan Kardec pelo conteúdo abertamente católico, igrejeiro e cheio de mitos e mistificações.

Jean-Baptiste Roustaing foi um advogado de Bordéus que não gostou do cientificismo de Kardec. Ele investiu num livro, aparentemente trazido através de mensagens espirituais enviadas pela médium madame Emilie Collignon, para trazer o que o advogado definiu como "a revelação da Revelação".

Durante anos o "espiritismo" brasileiro se fundamentou nas ideias de Roustaing, com muito entusiasmo. Mas como é de praxe no Brasil, quando se pega lições de valor duvidoso, é que, quando seu mestre é associado a algum escândalo, ele é simplesmente descartado. E assim foi com Roustaing, tal qual, recentemente, foi com Eduardo Cunha na vida política brasileira.

Até supostas mensagens espirituais atribuídas ao médico Adolfo Bezerra de Menezes, que no seu tempo introduziu Roustaing no "movimento espírita", quando presidiu a FEB, alegaram "arrependimento" pelo roustanguismo. Mas quem imaginava que o "arrependimento" era total, observa-se a citação do verbo "kardequizar", uma corruptela do termo "catequizar" que os jesuítas faziam para converter as tribos indígenas ao Catolicismo medieval.

Essa corruptela diz muito ao roustanguismo disfarçado que hoje representa o "espiritismo" brasileiro. E isso com a legitimação de Emmanuel, ele mesmo tendo sido o antigo catequizador colonial, o padre Manuel da Nóbrega, como suposto "filósofo" do "espiritismo" feito no Brasil.

O que vemos hoje é o próprio "espiritismo" acorrentado e preso em suas contradições. É roustanguista na prática, mas tenta dar a impressão de que é "rigorosamente fiel" ao legado kardeciano, rompe com Kardec na prática, cometendo traições grotescas e preocupantes, mas faz questão de se vincular ideologicamente ao pedagogo de Lyon o qual os "espíritas" traem 24 horas por dia, sete dias por semana e 365 dias por ano.

O "espiritismo" não é livre porque quer ser uma coisa e outra na tentativa tanto de obter vantagens e privilégios como de agradar todo mundo. Hoje os "espíritas" falam em liberdade de fé e reforçam o discurso contra a intolerância religiosa, primeiro pegando carona nos episódios envolvendo terreiros de umbanda, depois se aproveitando do vitimismo em torno do vandalismo contra o mausoléu de Francisco Cândido Xavier, ocorrido no final de setembro passado, em Uberaba.

Mas os "espíritas" não são livres. Eles ficam presos nas suas próprias paixões. São católicos fervorosos, mas não podem assumir isso, porque precisam se promover com a fingida "fidelidade absoluta" ao pensamento de Allan Kardec, algo que sabemos ser uma grande e preocupante mentira.

É só ver, nas atividades "espíritas", o contraste que livros de Chico Xavier, Divaldo Franco e derivados apresentam, em ideias, à obra de Kardec. É coisa gritante. Consultando obras como O Livro dos Médiuns e O Livro dos Espíritos, por exemplo, observa-se a descrição de muitos aspectos negativos da deturpação espírita analisados por Kardec. Esses aspectos correspondem, hoje, ao que Chico, Divaldo e companhia fizeram, de forma explícita e deplorável.

Criticar a deturpação não é praticar intolerância religiosa. O que vemos é que os "espíritas", com medo, mais uma vez, de assumir a responsabilidade de seus maus atos e de suas decisões erradas, e sofrendo uma crise aguda por conta de suas próprias contradições, investem mais uma vez no vitimismo e usam o pretexto da "intolerância religiosa" para salvarem suas peles.

Os "espíritas" chegam a falar, de maneira bastante hipócrita, que as deturpações feitas por Chico e Divaldo foram "acidentais" e feitas "sem querer". Chegam mesmo a dizer que eles "não tiveram tempo" para analisar a Doutrina Espírita e atribuem a eles uma suposta promessa de "aprender melhor a obra de Kardec" e a inventar que essa "promessa" foi cumprida. Só que não.

Os dois foram igrejistas até o fim. Transmitiram ideias roustanguistas durante décadas, com uma grande coleção de livros, para um enorme público no Brasil e no mundo e repercutindo de forma imensa durante muito tempo. Como é que eles podem ter feito um trabalho "sem querer"? Isso é coisa que se faz com muita consciência dos próprios atos, dificilmente alguém faria isso "sem querer".

Mas o "espiritismo" é assim mesmo. Faz juízos de valor, quando o caso é o sofrimento alheio, frequentemente induzindo na culpabilidade das vítimas, sob alegações de "reajustes espirituais" ou "resgates morais". Mas na hora de assumir seus erros, recua, reage com vitimismo e choradeira, arruma mil desculpas, acusa os obsessores espirituais, baixa a cabeça pondo as mãos no rosto, ou apela para coisas do tipo "aceito resignado os desaforos, crente no amparo de Deus".

Isso é uma grande hipocrisia. O "espiritismo" não é livre porque põe suas contradições sob o tapete, se dissimula o tempo todo, portanto não pode ter sequer a consciência tranquila. Reclama de "intolerância religiosa" só para abafar os efeitos de sua grave crise, mas sabemos que isso é uma mentira.

Afinal, quem sofre intolerância religiosa são os movimentos e crenças vividos pelas classes populares ou por grupos étnicos que não correspondem às classes privilegiadas. A umbanda, o candomblé, o islamismo e o judaísmo são as religiões mais vitimadas pela intolerância religiosa.

Já o "espiritismo" é uma religião de elite. Em muitos momentos, está ao lado de setores conservadores da Igreja Católica e das seitas neopentecostais (como a Igreja Universal do Reino de Deus e a Assembleia de Deus). 

O "espiritismo" defendeu o golpe militar de 1964 e a consequente ditadura, participando da Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Chico Xavier defendeu a ditadura quando parte da direita que a apoiou já estava na oposição. As ideias defendidas pelos "espíritas" são de conteúdo moral severo e ultraconservador, justificados pelas "cobranças morais" de supostas encarnações passadas.

As práticas de caridade "espíritas", tidas como "assistência social", não vão além dos limites do Assistencialismo, caridade de poucos efeitos sociais e que enfatiza mais o prestígio social do "benfeitor". O "espiritismo" se diz progressista, mas nunca contribuiu para o progresso do Brasil, e sua "caridade" apenas amenizou a dor da miséria, sem combatê-la de maneira profunda e definitiva.

A verdade é que o "espiritismo", se assumir sua liberdade religiosa, teria voltado ao Catolicismo, porque sua liberdade é adotar ritos, crenças e dogmas católicos, dos mais conservadores, e fazem isso de forma explícita, desavergonhada, porém nunca devidamente assumida. Os "espíritas" deveriam parar de criticar a vaticanização e o roustanguismo, porque os apelos igrejistas fazem seus corações baterem mais forte.

O "espiritismo" brasileiro é apenas espírita na forma, na aparência institucional. Mas seu espírito é católico, sua essência é católica e suas bases doutrinárias igrejistas. O "espiritismo" brasileiro é roustanguista da gema.

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