domingo, 31 de julho de 2016

"Espiritismo" e o marketing da superação

Há um mito religioso, defendido com muito êxtase por pessoas já privilegiadas de alguma forma, de que as pessoas que mais enfrentam dificuldades são as que detém sucesso e superação.

O mito de que pessoas conseguem superar as dificuldades mais pesadas e praticamente impossíveis de uma superação por condições normais é muitas vezes defendido como se fosse um símbolo de êxito e realização humana.

Muitos que defendem essa ideia se acham dotados de evolução moral, e não raro estufam o peito e dizem, para quem está "embaixo" da pirâmide social: "Viu? Essas pessoas lutaram, lutaram e lutaram, deram murro em ponta de faca, dedicaram todo o suor, sangue e lágrimas para superar as piores dificuldades e elas conseguiram".

Isso se chama marketing da superação e se define pela meritocracia do sacrifício. A ideologia moralista se deixa valer de exemplos de superação humana para fazer propaganda, e as pessoas que pregam esse mito da "superação obtida sob as piores adversidades" esconde, na verdade, ideias do mais puro egoísmo e sadismo humanos.

Pessoas que se acham "certas" e "com razão" ao descrever exemplos de outrem que superou as piores dificuldades não sabem a crueldade em dimensões tirânicas que traz esse mito da "superação sob sacrifícios pesados". Mesmo a crueldade acidental, pelo apoio passivo de ideias trazidas pelo egoísmo plutocrático alheio, algo defendido até sem culpa, mas consentindo, sem querer, com visões que escondem esse aspecto perverso.

Isso porque o marketing da superação é "vendido" como se fosse um exemplo de elevação moral. Mas ele esconde aspectos muito graves, da mais extrema perversidade, um moralismo retrógrado, egoísta, perverso, baseado ainda num mito de competição e heroísmo ainda mais antiquados.

Destacamos alguns desses aspectos que o mito da pessoa que "consegue se superar" traz e que indica o quanto é perigoso defender essa ideologia como se ela fosse o melhor para todo tipo de pessoa:

1) Acreditar que toda dificuldade pode ser encarada por qualquer um, até os piores malefícios;

2) Acreditar que pessoas possam ser dar mal sempre na vida e, depois de tanto prejuízo, darem a volta por cima;

3) Acreditar que pessoas possam abrir mão do mais necessário para obterem alguma conquista na vida;

4) Inocentar os algozes de culpa, pois seus métodos cruéis de exploração alheia são vistos até como "estímulos" para a superação de suas vítimas.

O dado perverso está na ideia de que as dificuldades acima dos limites, normalmente vividas como flagelos que asfixiam as vidas das pessoas, acuando-as em quase todos os aspectos até elas abandonarem a individualidade e se renderem a todo tipo de limitação para obter alguma vantagem, revelam uma complacência com a crueldade de quem domina e explora os outros.

É como se os indivíduos se submetessem ao jugo alheio, é como se a Abolição fosse obtida não pelo fim da Escravidão, mas antes pelo prolongamento da mesma. É como se tivéssemos que ser generosos com o egoísmo dos outros e sermos implacáveis com nossa individualidade. Daí o mito do "vencer a si mesmo", uma coisa tão cruel quanto o Holocausto dos regimes nazi-fascistas, apesar dos métodos parecerem "mais suaves".

E O "ESPIRITISMO" NESTA "PARADA"?

O "espiritismo", que não consegue mais esconder sua influência pelo Catolicismo medieval português, trazido pelo Brasil através do movimento jesuíta - do qual os "espíritas" se definem como herdeiros religiosos - , exalta o marketing da superação tomando emprestado as perspectivas da fé religiosa ligadas ao mito dos milagres católicos.

É como se as pessoas estivessem a espera de alguém que supere as mais pesadas dificuldades, como um gladiador nos tempos do Império Romano enfrentando tigres famintos. Embora o discurso moralista descreva "lindas lições" e "histórias admiráveis", como se "positivasse" o sacrifício alheio, a ideia tem um sentido terrivelmente cruel.

O moralismo "espírita" se apoia em pretextos que fazem apologia às desgraças humanas. A "Lei de Causa e Efeito", que atribui uma suposta irregularidade em outra encarnação. O mito da "vida futura" como um suposto prêmio para quem aguentar todo tipo de desgraça. Um passado abusivo, um presente cruel e um futuro maravilhoso. Falando assim, fica muito fácil.

Mas a complexidade humana mostra que o selo religioso não representa bondade autêntica. Quantos julgamentos de valor perversos, quantos conselhos cruéis, quantas visões sádicas são transmitidas, sob o verniz da "bondade religiosa", que escondem uma excessiva austeridade moral não muito diferente das mais cruéis autoridades romanas, dos mais sanguinários sacerdotes medievais?

A ideia de que a "desgraça é um presente de Deus" revela o egoísmo religioso, que pouco está ligando para o fato de pessoas, mesmo se esforçando, encontrarem dificuldades extremas para vencer na vida. Um egoísmo religioso que pouco se importa se o infortunado se torna mendigo ou a ele lhe resta um já disputado trabalho de flanelinha de rua para ter apenas o dinheiro das refeições.

Em vez de ajudar as pessoas a superarem problemas, o "espiritismo", que não consegue compreender a individualidade humana, acha que todas as encarnações são iguais, acha que tanto faz a pessoa perder uma encarnação inteira com desgraças, mudando constante e drasticamente seus planos de vida, se servindo como se fosse um brinquedo das adversidades cotidianas.

A ideia do marketing da superação é essa forma sádica de ver pessoas vencendo na vida. A ideia é primeiro defender que a pessoa tenha que se dar mal na vida, e segundo aplaudi-la se ela se sair viva e inteira após tantas enrascadas. Quanta hipocrisia pode esconder por trás desse mito de "superação" e "vitória pessoal" que fascina tantos moralistas sentados em seus confortáveis sofás!

ARRIVISMO

Mas o marketing da superação cria um discurso que, num outro contexto, pode salvar a reputação dos que obtiveram privilégios e estão sendo alvos de duras críticas e de uma ameaça constante de queda do prestígio e da popularidade.

Assim, se, para o sofredor, o marketing da superação é uma crueldade, para o privilegiado ele é uma farsa, feita, neste segundo caso, para proteger reputações e forjar uma falsa onda de adversidades e crueldades para "salvar a pele" do abusivo privilegiado, um enganador que precisa manter-se num simulacro de respeitabilidade aparentemente inabalável.

O exemplo de Francisco Cândido Xavier, o maior (e o pior) deturpador da Doutrina Espírita em toda sua história, revela o quanto a ideologia hipócrita do marketing da superação pode também servir como um trampolim para oportunistas que, obtendo o prestígio desejado, usam essa mesma ideologia para se protegerem contra críticas severas, desqualificando-as, mesmo quando coerentes.

Chico Xavier nunca passou de um beato católico, de ideias ortodoxas e medievais, como todo interiorano ultraconservador nascido nos tempos da República Velha, e cujo dom paranormal, mais limitado do que muitos imaginam, não renderia mais do que um verbete nos almanaques mais rasteiros ou, quando muito, num item relembrado do Guia dos Curiosos ou do Acredite Se Quiser.

Todavia, o arrivismo religioso fez com que ele se tornasse "ícone máximo da caridade humana". O maior deturpador do Espiritismo, que praticamente rasgou os livros de Allan Kardec e desmoralizou toda uma doutrina arduamente trabalhada, sob o custo pessoal próprio, pelo professor francês, virou, assim de graça, o "homem mais bondoso do Brasil".

E por que isso aconteceu? Porque virtudes ocultas estavam por trás de alguém que fazia plágios e pastiches literários, fraudes de materialização, falsa psicofonia, uso de técnicas do ilusionismo circense sob o verniz da "mediunidade", apoiando farsantes aqui e ali e sendo adulado por aristocratas, além de defender a ditadura militar justamente quando ela se manifestava mais cruel e assassina?

Não. É porque o Brasil, vulnerável ao canto-de-sereia do deslumbramento religioso, que adoça corações e envenena vidas, permite esse arrivismo que beneficiou Chico Xavier e o fez aparentemente imune a todo tipo de obstáculo para sua ascensão social, movida pelas ilusões terrenas que constroem mitos religiosos baseados em estereótipos de "amor e bondade".

O caso dos livros Parnaso de Além-Túmulo e obras que usaram o nome de Humberto de Campos - sem no entanto refletir o estilo original do autor maranhense - , a reação de indignação que tomou conta da intelectualidade literária (ao lado de outros que nunca autenticaram a suposta mediunidade de Chico Xavier, mas foram usados pela FEB para sustentar suposta autenticação) foi vista erroneamente como "reações de fúria contra o trabalho de um homem de bem".

Na verdade, isso é desculpa esfarrapada que só ganha "apoio unânime" por causa do estereótipo religioso e todas suas fantasias que evocam beleza, comoção e suavidade. A razão, portanto, devemos dar aos críticos literários que reprovavam Chico Xavier, por apontar irregularidades de estilo literário que apontam, sem muita dificuldade, fraudes diversas nas obras "psicográficas". Bondade não pode estar a serviço da fraude, caridade não se sustenta com plágios e pastiches literários.

Mesmo assim, oficialmente as pessoas estão do lado de Chico Xavier, cuja esperteza sem limites fez enganar as pessoas, usando o markeging da superação para se salvar diante de tantas críticas e contestações contra essa figura religiosa de valor duvidoso. 

E o próprio Chico, ultraconservador, falava para ninguém contestar ou questionar o que quer que fosse. Isso nem de longe quer dizer humildade nem coerência, mas um apelo de um espertalhão para evitar ser desmascarado. Porque, se deixar questionar Chico Xavier, cai ele e quem estiver junto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

A teimosia dos "espíritas" tradicionais

Fica aqui a impressão de que nosso trabalho de coerência doutrinária é em vão. mesmo com alto nível de apostasia, há seguidores de Chico ...